segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Distanciamento

Parece que a vida consiste em distanciar-se dela. Nascer, viver, morrer. Desde o instante do nascimento,  nos distanciamos da vida em direção à morte. Mas não penso só na morte real, do corpo biológico. Falo de outras pequenas mortes , que acompanham nossa existência e que, muitas vezes, passam desapercebidas. Estas perdas fazem parte do amadurecimento e trazem um distanciamento. A cada vez que terminamos um relacionamento, deixamos uma produção  parada na gaveta, estamos vivendo uma espécie de morte, fizemos luto, sofremos, mas isso é necessário para seguir em frente e poder olhar aquilo que ficou de um outro ponto de visão. Isso é amadurecer. Qando nos distanciamos de algo ou alguém , o tempo continua correndo e o espaço permanece se modificando. Nada pára. O ritmo da vida é contínuo, implacável.Nem tempo nem espaço esperam que possamos acomodar nossos desafetos, amadurecer ideias e construções de nossos textos. Algumas vezes, temos ainda tempo de rever posições, trocar palavras, corrigir estruturas . Tudo isso pode não acontecer. Em algum momento, não poderemos mais voltar àquele texto, para aquele relacionamento, então o que fica é o que passou, a marca que se deixou. Mas, quando temos oportunidade de retomar o que ficou para trás, o que encontramos é diferente do que se deixou. Nós mudamos, o objeto se modifica, o tempo passa. Resta saber se o novo objeto encontrado por um sujeito modificado ainda faz sentido. Se o que ficou para trás, pelo distanciamento, não fizer mais sentido, a vida se encarregará de colocar outro objeto, promover novo encontro, apresentar alguém diverso, fazer brotar novas ideias  em nosso caminho  para que tudo se renove. Afinal, distanciamento tem a ver com a possibilidade de renovação, que tanto pode estar presente na vida quanto na morte. A morte faz parte do ciclo da vida. O distanciamento de objetos, ideias, pessoas é um exercício contínuo, que nos prepara ao que há de vir de novo, e  pode nos tornar mais livres, até de nós mesmos.   

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Fragilidade

Há tempos em que acordar e saber que se tem de iniciar mais um dia de luta para alcançar o sonho já dói. A luz do dia , que em outro momento seria saudada com alegria, machuca os olhos. Mas, se ao invés de luz  tivesse chuva, escuridão, também doeria. A alma é que dói. Noite mal dormida, pesadelos intensos, corpo dolorido, abandono . Marcas que a vida imprime pelo cotidiano. Olhos vermelhos e inchados, corpo sem resistência, moleza nos movimentos, sensação de desamparo, vontade de desistir. Mas, ai surge lá ao longe, a imagem do sonho a perseguir o corpo machucado. Ela faz cócegas no desejo. Força atiçada pela vontade de conquistar. A caminhada reinicia, ainda resta força para continuar.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Falso Brilhante!

 Aquele brilhante era falso. Mas e daí?Era uma zircônia perfeita. Não era brilhante, tinha aparência de brilhante.
 Quando tentávamos , tínhamos sempre a mesma dúvida: conseguiríamos,  pela alquimia do apaixonamento,  fazer de uma zircônia um brilhante?
 Algumas vezes, a transmutação se fazia , outras não. Nosso desejo nem sempre nos dava a condição de alquimistas de sentimento. Havia momentos que as emoções dos sonhos não migravam para a  realidade. Instantes de incerteza, onde o que saltava  dos corações era  morte da esperança, mesmice do dia a dia. Olhos opacos pela falta de paixão. Restava deixar o tempo passar e esperar a vinda de  outra pedra preciosa.       
 Naquele momento, estávamos frente a frente, mirando um os olhos do outro e tentando decifrar desejos que podiam estar escondidos de nós mesmos, ou até a falta deles. Costumavam esconderem-se nos labirintos da rotina. Meus olhos procuravam alguma coisa  nos teus. Percebi um olhar machucado e um rosto desfigurado, mas a pupila brilhava como brilha uma zircônia. Zircônia não é  brilhante, mas  tem sua beleza,  encantamento e brilho singular.
 Pensei que, depois de tanto tempo, mais vale  o explendor de uma zircônia perfeita do que as faíscas de um brilhante falso. Quero a zircônia verdadeira!

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Aneis

                                                   ANEIS

      "O anel que tu me deste era vidro e se quebrou, o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou". Cantiga de roda infantil que habita a memória quando lembro do furto das jóias. As lembranças de infância traem, sem  termos a real proporção das coisas na adultez.
       Aneis de vidro na infância guardam a marca do comprometimento amoroso onde o afeto predominava.
        Lembro dos aneis de vidro barato que vinham com balas e que os meninos davam a sua preferida.
       Você me deu um desses na infância , "anel de bala", e hoje ainda guardo a imagem dele na memória. Ali, com o anel de vidro tudo começou. Outros aneis vieram , alguns se  perderam, outros foram roubados, mas a cada perda ou roubo se abria no porta jóias o espaço para a entrada de um outro anel.
       Na nossa história , anel significa compromisso afetivo. Na  cantiga o anel era de vidro e se quebrou, o amor era pouco e se acabou.
       Tudo que acaba abre espaço para um novo recomeço. Pode-se recomeçar mudando o objeto de  amor, ou simplesmente girando o olhar e conhecendo uma nova face do objeto amado. O inusitado, o novo , tudo isso desperta paixão. Amar de novo o velho, que se renova pela flexibilidade do olhar e da escuta de um amor antigo  traz um novo anel, outro símbolo, mais uma vez a paixão explode.
   Numa noite qualquer, o ladrão entrou e levou os aneis que me deste.O amor que me tinhas não era pouco e não se acabou, se renovou. Mais uma renovação, outro recomeço, novos planos, tudo de outra forma.  Foram-se os aneis, mas cada um deles ficou registrado na memória afetiva, e o sentimento que eles simbolizavam,  até pela perda, se renovou mais uma vez. A materialidade dos aneis cede lugar à representação do afeto apenas pelas marcas no coração. Tenho seu nome tatuado a fogo na alma!