segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Tarde de primavera!

Já é novembro, lá pelo meio do mês. Um dia estranho, indefinido. Não é feriado, mas também não é dia de trabalho normal. Algumas coisas funcionam, outras estão fechadas. Não faz calor e nem frio, tem vento, muito vento que sopra. O sol, às vezes aparece, na maioria do tempo, se esconde entre as nuvens, que são espessas. Uma tarde indefinida, nem isso, nem aquilo. Isso e aquilo juntos, compartilhando o mesmo tempo, o mesmo espaço. Tempo de virações no tempo. As emoções também ficam viradas... e bailam ao vento, rumo ao desconhecido.Tudo que está arranjado , pode , assim num triz do tempo, se desarrumar e tomar outras formas. Tarde de novembro, tempo de primavera, vento de viração.O inusitado pode se apresentar! 

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Manhã tímida

Mas por que mesmo a manhã se apresenta tímida? Talvez porque o sol esteja indeciso. Seus raios não furam a barreira das nuvens para iluminar a terra. Por vezes aparece, e em outras desaparece. O tom do céu é de um azul acinzentado que dá o tom à timidez da manhã.
O sol, as nuvens, o céu, tudo isso compondo o cenário matinal, toca marcas escondidas de mim mesma. Eu também me apresento tímida diante da vida e não me permito brilhar como poderia. Será indecisão? Falta de força para furar as barreiras que a vida constrói? Ou apenas uma inibição passageira que teima em não passar?

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Lua cheia

A lua é cheia. Brilha e se oculta por entre as nuvens. Mantos  de nebulosidade, aos poucos, caem e desnudam estrelas, astros... Aqui na terra , por detrás de uma janela embaçada pela umidade da noite, um rosto sombrio se faz acompanhar pela magia da lua cheia. O ambiente é de solidão. Ouve-se o lamento de um blues que percorre o interior da casa. Um som metálico ecoa, rasga o coração. O peito se abre e sangra. O vermelho escuro do sangue escorre e tinge o tapete com desamparo. Estranho, sinto-me acompanhada pelo silêncio da noite que preenche o vazio de meu ser. Talvez só agora, tenha entendido que a companhia que me acalma e me traz segurança, está comigo. Sou minha melhor parceira, mesmo que não saiba tudo que se esconde de mim mesma por detrás do brilho da lua, e dos acordes da música que geme ao meu redor. Sem bem perceber, vou ensaiando passos que me fazem bailar a dança da lua cheia. Cai mais um manto, outra máscara se desfaz e eu fico mais exposta às marcas que trago no corpo e que tento esconder. Mas elas existem, me constituem, tatuam minha pele. Tudo é apenas mais um efeito da passagem do tempo, que se materializa na mudança das fases da lua. Outra vez a lua é cheia, e mesmo que não brilhe com a intensidade característica  deste ciclo, ela parece também se entristecer com  minha solidão, me faz companhia e me traz a energia vital necessária ao estar no mundo, onde as sensações são plenas mesmo que vazias e melancólicas . Entoo um hino à energia que emana da lua cheia! 

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Dia da criança ou do Infantil?

Hoje, 12 de Outubro, acordo com saudades de sabores e toques particulares da infância. Vou para a cozinha e preparo um purê de batatas, arroz bem soltinho, bolinho de arroz frito, feijão caldoso, salada de tomates com azeite de oliva. Sublime os sabores. Cheiros invadem a casa, temperos  misturam-se com os aromas das flores de primavera: madressilva, orquídea, amor perfeito e violetas. O tempo mítico do infantil retorna. Lá de dentro, vem o marido e diz que para completar, a sobremesa, tem que ser docinho de leite condensado com amendoim. Panelas, colheres, texturas, outros cheiros, formas, tudo se combina nos docinhos de amendoim. Comemoração completa para o dia da criança! Mas para que crianças, se formamos um casal sem filhos? Para as crianças que um dia fomos, que carregamos junto e que não nos abandonaram. Só que hoje não precisamos mais da mãe para preparar as guloseimas infantis. Podemos nos responsabilizar pelos desejos de criança que habitam nosso imaginário.
Mas qual será o efeito disso no psiquismo? Um re encontro com a porção infantil, que costuma ficar guardada porque a adultez é muito espaçosa.
Se todo dia pudesse me encontrar um pouco mais com meu infantil, me deixar levar mais pela magia dos castelos dos contos de fadas, seria mais conectada com aquilo que escondo e preservo de mim mesma, mas que é a essência de minha condição humana, o infantil que me acompanha.
O infantil não nos abandona, oculta-se sob a suposta responsabilidade adulta. Faz de nós seres mais frios, mais racionais e menos conectados com a imprevisibilidade e com a traço infantil que nos constitui.
Que a porção infantil possa driblar a seriedade adulta, e que possamos enfrentar as situações sérias da vida  como se fossem apenas mais um jogo da infância!

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Palavras Cheias

Costumo dizer que há pessoas que falam e não dizem quase nada. Estas , parece que  usam palavras vazias. Já outras pessoas, que tem uma fala potente, que faz marca naquele que as ouve, se usam de palavras cheias para enunciar sua fala. Dizer não coincide com falar. Um papagaio fala, mas não diz nada, sua fala é vazia.
As palavras, como reprodução de um som, isolado de um significante mestre que as contextualiza na cadeia significante de cada sujeito, são vazias.
O mesmo som, representativo da palavra, mas com efeito de linguagem que comunica até aquilo que  ousa tentar guardar-se num esconderijo por detrás do significado do dicionário, é constitutivo do sujeito e suporte  da palavra cheia.
A palavra cheia, vai mais além da própria palavra. Representa aquilo que se esconde na sombra do verbo e, que em cada circunstância, revela algo que tem potência de desvendar  o suposto enigma  da subjetividade dos sujeitos.
Por sobre a máscara de cada palavra vazia se ocultam milhares de palavras cheias, que dão corpo à linguagem de  quem fala.
Os vocábulos,  encadeados em frases, transmitem algo para o outro que escuta. Assim,algumas vezes,a  fala pode  causar surpresa e trazer algum traço de novidade, até para o próprio falante. Na escuta, do lugar de ouvinte aberto para o Outro , as palavras podem encerrar tantos quantos significantes se fizerem necessários para dizer de um sujeito. Elas desvelam as formações do inconsciente que expressam desejos desconhecidos, tanto pelo dito quanto pelo não dito. O inconsciente é um depósito de palavras cheias de sentido, basta fazê-las dispir a máscara do recalcado e saltar para a consciência!     

domingo, 25 de setembro de 2011

Cenário da Tarde

Uma flor amassada por sobre a mesa da sala de estar. O perfume,  misturado com o cheiro da pele da mão que esmagou a flor, preenchia o ar. Olhos avermelhados, raiados de sangue. Sinais de choro... Já era primavera, e a alegria da estação ainda não habitava a casa. Tudo em desalinho, um corpo entorpecido caia de um sofá. Sentimentos esmigalhados espalhavam-se no tapete. Solidão, abandono, gosto de amargura. Este foi o cenário que se apresentou na chegada em sua casa, naquela tarde azulada. Motivo de tristeza? Talvez parecesse, mas serviu para uma gargalhada metálica que lotou o ambiente de som.      

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Poesia Grotesca


                                             A Woman in a Bird Mask, 1967 by Diane Arbus

"A photography, is a secret about a secret.The more it tells you, the less you know." Diane Arbus


Olhando alguns retratos  da fotógrafa americana Diane Arbus, como o acima visualizado, me deparei com o estranho familiar Aquelas imagens que num primeiro instante  repelem, mas logo depois capturam o olhar. É o lado da vida que não costuma ser mostrado, nem cultuado: bizarrices, esquisitices, feiúras, estranhezas. Todas as cenas da crueza da vida que podem até causar repugnância, e exatamente por isso, são familiares a cada espectador, e não vendem revistas. O familiar que causa estranheza, que repele e atrai, porque um dia já fez marca, causou arranhões na imagem de perfeição que o social cobra de cada um de nós.
Esta estranheza retratada nas fotografias de Diane Arbus lembram um artigo que Freud escreveu em 1919 "Das Umheimliche", que traduzido fica "O Estranho". Este artigo do pai da Psicanálise, também apresenta um tom inquietante e quase sinistro.Já a origem da palavra em alemão, traz uma dualidade que transita entre o "estranho" e o "familiar". Tudo que se apresenta como estranho, em determinado tempo mítico já foi extremamente familiar. O desconforto frente ao estranho ocorre porque , sem querer, ele se liga  ao familiar  que ficou velado, esquecido, recalcado no inconsciente.
Talvez ai se encontre o magnetismo, a beleza crua dos retratos de Diane  Arbus, que além de desconsertarem , inquietarem o espectador, também atraem porque fazem laço com o desejo inconsciente . Suas fotos , convocam um olhar que vai para mais além de um simples ver.Elas se constituem numa das mais genuínas formas de "Poesia Grotesca" dos tempos modernos.

domingo, 14 de agosto de 2011

Pai!


 
Pai exerce a função paterna exatamente no momento que coloca limites e indica parâmetros. Pode parecer duro e dizer "nâo" supostamente sem necessidade, mas isto é tarefa paterna. No instante que tudo acontece pode representar exagero, falta de sensibilidade, até estupidez. Mas é assim que o pai planta os alicerces do caráter dos filhos, desde que tenha consciência do que e porque está dizendo o "não". Esta forma de relação , ainda quando os filhos são crianças, parece exagero. O colo materno é bem mais acolhedor. A mãe alisa os cabelos do filho e tudo perdoa, tudo entende e desculpa. Muito do que não deveria ser desculpado, o é pela mãe. Infelizmente, a compreensão materna soa só como amor e o limite paterno só como desamor.
Mas o tempo passa, os filhos crescem , tornam-se pais e mães, e então percebem que intolerância, frustração e privação pode rimar com amor, adultez, capacidade de discernir, possibilidade de enfrentar frustrações, crises.
E é isso tudo que transforma um adolescente num adulto. Muitos passam pela vida na ilusão e na busca imaginária da pseudo felicidade, que pode aprisionar o adulto num comportamento infantil , imaturo. Quantas atrocidades e barbáries são cometidas em nome da busca do prazer sem limites, que avassala e joga para o alto tudo que um dia um pai tentou ensinar ao seu filho. Assim, alguns adultos levam suas vidas, como eternos adolescentes mimados, que passam por cima de pessoas e valores para realizar o seu gozo pessoal.
Outros filhos olham de frente a dor, o vazio, as infelicidades que o viver traz. Estes são capazes de enfrentar as frustrações e fazer dos momentos de crise, plataformas de lançamento ao crescimento pessoal e ao incremento da capacidade de aceitar o Outro exatamente como ele é, não como gostaríamos que fosse para nossa satisfação.
Parece que o pai , com seus atos, atitudes, testemunho de vida, ajuda aos filhos a serem adultos ou a permanecerem numa condição infantil, sempre na busca de uma miragem de prazer e da completude mítica, que pode levar à destruição.
Pai, obrigada por ter me ensinado a ser forte na dor e na ausência, por ter me apontado outros adultos, mais experientes que eu, que puderam te representar, te presentificar na tua ausência.
Tu me ensinaste a olhar para o lado e lá encontrar pessoas , que me lembram em muitos gestos, a materialidade de tua presença, tua forma de ser no mundo. Tu me apresentaste o mundo como ele é, duro.
Na tua existência não tive clareza para te dizer todas estas coisas. Tua ausência me trouxe mais possibilidade de analisar a vida, e concluir que por mais dolorida que seja em certos momentos, tem de continuar a ser vivida.
Se te decepcionei muitas vezes, também te amei e amo de uma forma que  talvez não tenha conseguido  te comunicar.
Hoje,  homenageio e reverencio tua existência, e reconheço com orgulho, que somos  mais dois elos da novela familiar que todos nós escrevemos com nossas vidas, e que continuará....

domingo, 24 de julho de 2011

Destruição

A vida é uma espécie de destruição. Desde que nascemos, iniciamos esta ação de destruição rumo à morte. Será que se pode influenciar nesta trajetória? Talvez sim, mas é só uma questão de um outro traçado do caminho , que chegará de toda forma, no mesmo destino, a morte. Então, o que pode determinar um atalho neste trajeto para que se cruze a linha de chegada mais rápido, muito antes do que seria o esperado pelos outros que observam as curvas do caminho? O atalho pode ser escolhido em função da DOR , que é pessoal, intransferível, é de ordem da subjetividade de cada ser humano. Portanto, que não se julgue a partir da superfície, atitudes destrutivas daqueles que estão ao nosso lado. Cada um é uma ilha deserta em seu mundo interior, onde a DOR reina quase absoluta. É impossível  sentir a DOR do outro. Muitas vezes, esta DOR faz com que o caminho rumo à linha de chegada seja mais breve.  

sábado, 16 de julho de 2011

Frio!

O frio é um belo exemplo para metaforizar aquilo tudo que dá prazer e pode causar danos. Coisas que amamos , desejamos , mas que podem  fazer mal.  O prazer que vem do desejo causa danos à estabilidade característica da consciência, neste momento entramos no território do gozo.
Amo o frio, desejo a chegada do inverno, mas meu corpo se manifesta contra ele. Não sou resistente o suficiente para enfrentar o frio e não adoecer. O que fazer diante desse impasse?
Suportar o frio, aproveitar suas nuances, o vinho, a lareira, o fogo, o aconchego do lar e dos amigos?
 Mas, com tudo isso o corpo pode  padecer, adoecer!
Fortificar as resistências do corpo e continuar desfrutando os prazeres do frio?
Parece que gosto das duas alternativas... não quero abrir mão de nada...
Ainda mais sendo inverno, meu espírito clama por curtir o frio  em plenitude. Quero ser um ente mutante, que não sente os efeitos nocivos do frio, apenas desfruta da sensação cortante  do vento nas faces, que ficam avermelhadas de alegria e felicidade pelos açoites gelados do frio de inverno.

domingo, 26 de junho de 2011

Amigos

Gostaria tanto de estar mais perto dos amigos, ser mais companheira, celebrar mais a amizade , passar ao  seu lado  momentos de nada fazer, ócio afetuoso, instantes de magia que se fazem na companhia de pessoas queridas.
Compartilhar amizades é quase como cultivar amores, aliás amigos são amores destituídos do sexual, e mesmo assim, algumas vezes rola algo que parece um clima. Amigos são a calmaria e a estabilidade gostosa  que as paixões negam, porque a intensidade apaixonada passa longe da calma e navega na angústia de formar a completude que não existe. Estar apaixonada é um estado de excessão, mas estar em situação de fraternidade amistosa é algo sempre ao alcance das mãos, só depende da disponibilidade. Tenho a interna, mas me falta a externa, que demanda tempo.
Amigos são tolerantes, compreensivos, dizem o que queremos ouvir , ou simplesmente calam. Durante  5 décadas cultivei amigos que fazem as vezes de família, apoiam nas dificuldades, oferecem a mão e o ombro na hora da dor. Meus amigos são as pessoas que conquistei pela minha maneira de ser ao longo da vida, também fui conquistada por alguns. Eles são a certeza que se explicita na disponibilidade. Mas parece que não concedo a eles o tempo e o espaço que ocupam no coração , no espaço real de meu cotidiano. Preciso cuidar mais das amizades. Cada amigo é uma preciosidade a ser cuidada e guardada em lugar especial. Tenho de abrir mais espaço para meus amigos em minha vida!

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Separação!

Hoje fiquei sabendo que uma pessoa de minha família separou da mulher. Um fato que parece comum no cotidiano de nosso tempo. Mas sempre é difícil qualquer separação, quanto mais as amorosas. Separar diz de quando o desejo se transforma em obrigação, ai se coloca o momento de repensar a relação. Ir embora com o coração partido ou ficar sentindo que um dia já foi tudo mais intenso e mais prazeroso? Esta parece ser a grande questão de quem está por separar-se. No dia a dia do consultório, ouço muito as pessoas se fazerem esta indagação, mesmo que muitas das vezes não consigam ouvir sua resposta. Mas eu ouço e fico ali, de testemunha, esperando que a compulsão a repetição opere e a questão surja novamente. Quem sabe da outra vez seja ouvida a dúvida por quem a enuncia? É sempre uma surpresa para mim, quando o paciente consegue ouvir aquilo que enuncia e se põe a pensar na situação dolorosa que veio para o setting pelas manifestações do inconsciente, sobre as quais não se tem domínio. Elas provocam rachaduras na fortaleza do "Eu consciente" e teimam em aparecer justo no momento em que o paciente mais quer delas se distanciar. Nesta situação, a tarefa do analista é permitir que o inconsciente opere, se manifeste, e torcer para que o paciente possa escutá-lo, mesmo com angústia e dor. Talvez , o mais difícil seja se retirar da cena e deixar que o próprio paciente dê sinais de que seu Eu já pode se enfrentar com a verdade que não pode mais calar. Há que ter condições de sustentar o paciente em situação de pergunta, sem  a resposta no momento imediato em que a verdade, o saber inconsciente se enuncia. Quando este saber diz de uma separação tudo é mais complicado, demorado, delicado, sensível. Separar-se diz de poder estar distante primeiro da mãe, depois de afetos familiares... para um dia poder separar-se do par de uma relação amorosa, que une a dupla na busca da completude narcísica, que sempre é inatingível. Separar-se é poder suportar a própria companhia com prazer.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Frio

Hoje me coloco a pensar sobre a palavra Frio. Para mim é uma palavra ambígua, encerra um certo fascínio porque lembra o inverno, folhas de plátano amarelas caídas ao chão, um vento frio cortando a face, leitura para acompanhar  a alma e um cálice de vinho para aquecer o corpo. Frio, neste sentido, é prazeroso e traz consigo a lembrança de algo que me marcou desde sempre, o aniversário de meu pai que se acompanhava pelas festas juninas.
Mas a palavra frio também remete à sensação desagradável, lembra gelo, falta de afeto, desamparo, aqueles que vivem na rua e são cortados em seus corpos pelas rajadas de vento gelado, morte que se presentifica na falta de meu pai e de algumas outras pessoas queridas  que já se foram. Esta é a face triste e cortante para mim da palavra frio.
Se tivesse que representar a palavra frio por uma cor, escolheria azul. Uma cor que chega doer de tão bonita, mas com certeza, uma cor fria na escala dos tons. Azul são olhos que me fascinam, o céu numa tarde de inverno ensolarada,  as flores que depositei no túmulo de meu pai para homenageá-lo. Azul é beleza e frieza, em alguns momentos sentimentos  que se unem, em outros brotam separados.
Um frio azulado pode ser o paradoxo da beleza fria e do frio belo.Talvez uma bela metáfora para representar a vida.    

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Loucos ou diferentes?

É difícil precisar a linha que separa a loucura da normalidade. Cada um se expressa em acordo com sua constituição mítica e sua subjetividade, formada no contato com o Outro que cuida quando ainda somos pedaços desintegrados de sensações num corpo frágil de bebê.
Talvez algo do genético ajude nesta constituição, mas parece que o que determina o rótulo de maluco ou desajustado é o lugar que os Outros que nos recebem quando chegamos ao mundo nos concedem em seu desejo. Complicado tudo isso, porque este lugar que nos é designado desde nossa concepção  está inscrito nas formações inconscientes, e portanto, é  desconhecido daqueles que nos geraram. Sabe-se lá que motivações ou falta delas tiveram quando resolveram que devíamos nascer. Somos o resultado do desejo do Outro que nos traz à vida. Se a estranheza já está presente na constituição de nossos pais, como mesmo vamos estar em acordo com os princípios da normalidade? Mas ai neste ponto se coloca uma questão interessante: o que fazemos com as determinações, os lugares, que nos são transmitidos pelo não dito? Muitas vezes, desta resposta depende a forma como nos vemos inseridos ou excluídos do mundo que se encontra a nossa volta.  

sábado, 11 de junho de 2011

Os jovens e o Divã

Se existe um pessoal interessado em Psicanálise atualmente, é o grupo formado pelos jovens. Na Viena de Freud, as pessoas procuravam o Psicanalista porque os desejos sexuais eram reprimidos e este fato causava as neuroses. Hoje a maioria das pessoas mais novas, entre os 18 e os 30, ainda não sabe sobre seu desejo e por isso procura análise. Isto talvez se passe  porque os jovens de classe média são criados em condições que buscam a realização rápida do prazer máximo, momentâneo e sem quase nenhuma obrigação,  sem implicação em seus atos, em especial nos atos sexuais. O sexo está banalizado entre os jovens. A questão é que esta forma de lidar com o desejo ou com a falta dele, produz situações de dificuldades para os jovens, que levam  muitos deles ao divã. Alguns jovens encontram dificuldades para iniciar e dar sequência em sua vida sexual.  Este fato parece paradoxal, porque hoje em dia, o sexo é uma mercadoria exposta e espetacularizada pelo meio social.  Porém, uma vida sexual que implique comprometimento com o Outro não está em questão para os jovens que carecem conhecer seu desejo. Para eles, que buscam o divã, o que conta é o prazer ocasional , descomprometido, em  alta velocidade. A ideia é aproveitar ao máximo, que acaba por se configurar no mínimo, pois não proporciona envolvimento e pode despertar nos jovens um grande vazio e uma náusea existencial, que  se disfarça numa máscara de alegria e desemboca no desamparo e no  "não saber" sobre questões do  próprio desejo. É este desconhecimento e a consequente busca pelo desejo  que leva muitos jovens a deitar no divã de um Psicanalista. Muitos deles não reprimidos sexualmente como na Viena de Freud , mas coisificados pelo sexo e coisificando aqueles que lhe fazem companhia nesta louca aventura de travessia da adolescência.   

sábado, 4 de junho de 2011

O limite!

Difícil reconhecer limites,estabelecer bordas, fazer recortes que enquadrem a vida dentro do possível e não do desejável. Desejo sem contornos pode levar ao abismo. Mas a quem compete estabelecer o permitido e o proibido? Depende da situação, da relação, do momento de vida. Pais delimitam bordas ao desejo dos seus filhos. Bordas não são linhas fixas, são contornos variáveis, móveis. Vão se modificando em acordo com a situação. E como é conviver com ausência de bordas, sem limites, onde se pode tudo e o Outro não faz questão à realização dos desejos? É uma experiência assustadora, que traz angústia porque expõe a quem não se impõe limites ao desamparo, ao abandono e ao desamor. Só damos um contorno, limite a quem amamos muito! Por isso tudo, pais que lêem  este post, não tenham reservas para estabelecer os limites que dão segurança a seus filhos. Eles necessitam deste ato de amor para amadurecer e se transformarem em adultos seguros de suas qualidades e defeitos.   

terça-feira, 31 de maio de 2011

Uma Análise

O consultório de um analista se apresenta como uma fatia do mundo que nos cerca. Ali temos histórias que se tecem , outras se desfazem, esperanças  nascem , outras que se enterram. A vida se  desenrola ao longo das franjas da manta do divã. Vários enigmas surgem, eles são matéria prima da tecitura psíquica de cada um que por ali passa. Labirintos se apresentam, alguns são trilhados outros são abandonados, mas todos em algum momento, surgem como possibilidade de trilha a ser percorrida. Os analisandos são como personagens de livros. Alguns chegam como coadjuvantes, entre eles encontram-se personagens principais e até diretores de cena. Eles não sabem, na maioria das vezes, a força que trazem dentro de seus corações para dirigirem suas vidas. Mas e o analista? Ele acolhe a demanda, mas não a satisfaz, acompanha na caminhada , mas não caminha pelo analisando. E se tudo for bem , e alguns fantasmas forem transformados em fantoches de menino que brinca de teatro, ele, o analista tem como destino o esquecimento. O que sobram são restos, migalhas que não percorreram o caminho da demanda ao desejo e continuam com o analista. Parece que um bom destino desses restos seria um estudo de caso compartilhado com colegas. Momento do analista metabolizar o que não se explicitou pela análise, ou quem sabe nunca se explicitará, porque sempre sobra algo que não cai, fica em suspenso.  

sábado, 28 de maio de 2011

Um Par de Olhos Azuis

Esta noite sonhei com olhos azul de bolita me fitando de maneira intensa. Relembro uma das primeiras vezes que me senti mulher. Foi no cinema. Uma mão tocou na minha mão. Sensações desconhecidas surgiram. Meu corpo sentiu chamas que ardiam e traziam em seu rastro prazer. Algo novo se inaugurava. A fase da mulheridade tinha iníciado. Ao meu lado, um par de olhos azuis procuravam os meus. No encontro, a certeza de que fui capturada pelo olhar. Mas e eu? Com certeza, provoquei este olhar numa interrogação. Abandonei a condição de menina e ingressei no universo sedutor da feminilidade.

domingo, 22 de maio de 2011

Desejo

O desejo, às vezes, se apresenta em ondas que tomam o corpo e pedem uma atitude para que a libido possa chegar ao seu destino. O desejo independe da racionalidade. Ele arromba as portas das certezas instituídas e desinstala a comodidade . As dúvidas brotam, e o lugar de conforto imposto pela previsibilidade desaparece. A surpresa  assalta  a razão e traz a possibilidade de trilhar novos labirintos, rotas diferentes. Muitas vezes acompanhados pelo mesmo companheiro, mas agora em outros caminhos, com passos em outro estilo, outras escolhas, de posse de novos mapas que indicam a direção do  desejo novo.Tudo no exato momento em que a caminhada se impõe rumo ao inusitado,  que arde e  consome, mas dá prazer. Antes se esvair ardendo do que morrer gélido, desacompanhado na solidão da falta de companhia.   

Mães

Complicado falar dessa condição mítica, a de mãe, sendo mulher e não tendo filhos. Mas mesmo assim  vou  me colocar numa situação de tentativa. Esclareço que falo a partir de observações no laço social e da escuta de algumas mulheres, que narram a busca da maternidade como  condição de sentirem-se completas. Muitas delas se dizem mais incompletas com seus filhos. Algumas relatam que se pudessem voltar atrás, optariam por não ter filhos. As experiências sublimes que buscavam, na maternidade,em determinados casos desaparecem com a chegada do bebê.
Percebo na sociedade, uma exaltação da condição de mãe que nem sempre corresponde à realidade que observo ao olhar as relações entre mãe e filho a minha volta.  A maternidade é vista como condição inerente à mulher,  nem sempre é assim. Parece que para ser mulher em plenitude tem que se passar pela experiência de ter filhos. Na sociedade  em que estamos inseridos, liga-se maternidade à condição do sublime. A realidade da contemporaneidade feminina é mais dura do que a idealização social Em várias situações esta condição não se comprova . Muito se pode observar  sobre a  falta de paciência, agressividade e indisponibilidade  para maternidade de algumas mães. O que se percebe são alguns, e não poucos, comportamentos explícitos de descaso,  despreparo e  indisponibilidade que  chocam. Em nossos tempos, é difícil abrir mão de comportamentos já inseridos na rotina das mães, de bens,de formas de  levar  a vida,  pelo exercício da maternidade. Algumas mães terceirizam as tarefas junto a seus filhos. Tudo isso acontece sob o nosso olhar, mas é difícil dessacralizar a maternidade e falar livremente sobre esta questão , e  desvinculá-la da feminilidade. Ser mulher, ser mãe, seduzir o Outro que nos captura,  assumir a sexualidade e o poder de encantar de mulher são coisas distintas, que devem ser olhadas separadamente, para que não se rotule aquelas que por imposição de seu desejo, fazem escolhas diversas da maioria que se liga a pretensos padrões esperados pelo meio social. Que as escolhas das mulheres sejam feitas pela via do desejo ,e não pela impostura social. Talvez desta forma, possamos devolver o caráter sublime da maternidade, se é que em algum tempo ele existiu como valor dominante. 

sábado, 30 de abril de 2011

Colar de pérolas!

Tenho por hábito esquecer por algum tempo dos objetos que me pertencem e que realmente gosto. Certas vezes, me surpreendo pensando em algum destes objetos e tentando lembrar se ainda existe, e onde pode estar. Hoje pela manhã, me peguei pensando sobre um colar de pérolas que tinha pertencido a uma tia querida que já não está mais aqui entre nós. Virei a casa pelo avesso, pensei que tivesse sido roubado junto com algumas jóias que se foram há certo tempo atrás, mas não tinha certeza. Procurei em todos os lugares prováveis, não encontrei. Quando desiste e resolvi tomar um banho para me acalmar, eis que vou pegar um sabonete especial, que guardo separado dos outros, e olha o  que o acaso me mostra, o tal colar, ao fundo de uma caixa de sabonetes de Lavanda Francesa. Não sei como foi parar lá, mas tive uma surpresa agradável e a sensação de que reencontrei na fragrância da Lavanda a tia querida , que se foi, mas deixou  saudades...muitas. Tomei o banho, e sai por ai feliz da vida acompanhada pelas pérolas , todas elas unidas pelo fio do colar, como se fosse  a imagem de nossos encontros ao longo da vida. E tivemos vários em situações de alegria e de tristeza. Fechei os olhos e pude sentir teu perfume tia, ainda impregnado no colar que carrego em meu corpo.Saudades tia da tua companhia!  

quinta-feira, 21 de abril de 2011

O Inconsciente

Muitos  amigos me perguntam sobre a palavra inconsciente, que apesar de ter se inscrito no senso comum, poucos conhecem sua dimensão. Há aqueles que dizem: eu não acredito em inconsciente. Mas não é uma religião, portanto não é para ser acreditado ou negado.
Suas manisfestações em rodas de conversa, não me poupam de dizer, olha ai... ato falho, seu inconsciente está falando. Exatamente isso, ele fala pelos erros, pelos lapsos, por aquilo que dizemos e não queremos dizer, por tudo o que foge de nossa razão, controle, e nos surpreende.
É difícil de aceitar que todos temos uma instância que , mesmo fora de nosso domínio , comanda parte de nossas manifestações, talvez porque a ele falte a materialidade.
Vivemos num mundo da imagem, onde aquilo que não é visto, que não pode ser mensurado pela razão, carece de credibilidade.
Mas, há toda uma ciência, a Psicanálise, que tem seus alicerces plantados nesse conceito. E também há trabalhadores, que não são seres iluminados, nem adivinhos, nem iniciados, que se ocupam de escutar as manifestações do inconsciente. Sua iniciação é baseada em estudos  teóricos e experiência analítica. Nós, os trabalhadores deste campo do saber, provamos do remédio que indicamos a nossos pacientes: a experiência de falar livremente em presença de alguém a quem confiamos de nossas dores e de nossos amores.Falamos para aquele que nos escuta com delicadeza:o analista. É no percurso de uma análise, que avança em direção a poder se reposicionar diante de alguns significantes que norteiam e, muitas vezes, entravam nossa vida, que atravessamos nossos fantasmas, e nos tornamos analista.
Voltando ao inconsciente, ele é este menino maroto, que teima em  esconder-se dentro de nós mesmos, e faz aparições inesperadas que nos  surpreendem, pregam peças e ,algumas vezes, até nos envergonham diante do outro.Só para encerrar, ele não tem governo, não respeita leis, não liga para limites,  mas invade a razão e bagunça com certezas e verdades inatacávéis.       

terça-feira, 19 de abril de 2011

Horas Livres!

Início de semana de feriadão. Tudo, desta vez, vai começar na quinta feira.Tempo bom para ler, estudar, olhar para as entranhas escondidas de nós mesmos. Momento propício à reflexão. Mas estar entre amigos ainda parece a melhor alternativa. Dividir um café, um cálice de vinho, uma sessão de cinema, um jantar compartilhado, uma mesa de bar, ideias dispersas,as alegrias e as dores da vida. Como eles fazem parte de nossa vida! Amigos fraternos são a família que escolhemos. E assim, sem ter clareza do porquê, terminamos por dedicar a eles e a nós mesmos horas de nossas vidas. As horas livres são raras, e por isso devem ter destino que nos traga alegria: a companhia de amigos. Amigos especiais, com quem podemos ser nós mesmos sem temer recriminações, críticas até que sim, porque estas nos fazem repensar, reposicionar questões e, muitas vezes, encontrar soluções inusitadas para problemas antigos.    

domingo, 17 de abril de 2011

Lugar de realização

Interessante observar o lugar que cada um ocupa na vida. Saber que dois não podem ocupar o mesmo lugar, mas que novos lugares estão ai para serem fundados, muitos...! Tudo questão de saber girar o olhar e fundar espaços inaugurais, possíveis de serem habitados pelo desejo. Em vários espaços de convivência como trabalho, relações, famílias, parece que se vive buscando ocupar e desocupar lugares. A interrogação que grita  é saber qual o lugar que desejamos, e qual é o outro lugar, aquele que foi designado para nós, mas que não diz respeito ao nosso anseio.Planejar ações que permitam sair daqui, migrar para ali, mas continuar mantendo o foco no lugar que aponta para nossos ideais desejantes, se coloca como desafio de uma vida. Cada um de nós tem seu próprio lugar no mundo, às vezes gastamos toda  existência a procura dele, mas  com certeza, se a alma não é pequena...vale a pena buscar. É no ato da busca que se encontra aquilo que nem se procurava. Quem sabe este não é o lugar ideal, aquele  que se impõe pela surpresa ?    

quinta-feira, 7 de abril de 2011

O massacre atuado!

É difícil olhar para  o estado de todos que compartilham um lugar naquela escola do Rio de Janeiro, aqui no Brasil. Sim os massacres à moda americana acontecem em solo brasileiro, na cidade maravilhosa, num bairro de trabalhadores, gente honesta e que pensa que seus filhos enquanto estão na escola estariam em segurança. Mas a vida atua a tragédia dos livros no dia a dia das pessoas comuns. E atinge no mínimo 12 famílias de forma irrecuperável, mais umas 12 que pedem, oram e cuidam pela recuperação de seus feridos. E uma outra família, mesmo sendo adotiva, que se esquiva de procurar e se adonar deste morto que cometeu o massacre. A quem se credita a responsabilidade pelo ocorrido? Eu, me isento de julgamentos, porque trato com o fio tênue que separa a loucura da sanidade, e sei que , às vezes, as aparências de ser tranquilo, calmo, recolhido em sua solidão, ao invés de ser sinal positivo pode ser forte indício de problemas sérios da ordem do psíquico. Como diz o ditado :"águas paradas são profundas".
 Mas agora, o que se coloca em questão não é apontar culpados, mas questionar-se o que se pode fazer para cuidar mais, dar um olhar mais atento à saúde psíquica de nossa população. Estimular o estabelecimento de laços afetivos sólidos, que permitam trocas entre as crianças e os adolescentes e não atos de tamanha violência.
Parabéns aqueles que dedicaram seu carinho pelos serviços prestados às crianças: médicos, enfermeiros,psicólogos e demais profissionais.
E a nós que estamos longe , que fique um espaço de pensamento para tentarmos entender o porquê da violência que se espalha entre nós.
Um olhar cuidadoso a nossas crianças é urgente no momento da história em que estamos inseridos!
Cuidemos da infância e da adolescência , para identificar e encaminhar crianças e adolescentes capazes de cometer futuros atos de massacre. A falta de olhar e escuta pode reverberar em tragédias atuadas por aqueles, que um dia precisaram de uma escuta de especialistas e não tiveram! O matador , não esqueçam, é um doente mental que não foi tratado e nem olhado como deveria ter sido.
Aos pais daqueles que se foram meus mais profundos sentimentos!
Penso que a dor que sinto é semelhante a de toda uma nação , mas com certeza, menos intensa do que a das famílias envolvidas diretamente nesta tragédia.

sábado, 2 de abril de 2011

Palavras de Filha!

 .
 


Pai só temos um. Quando este se vai o rastro de suas palavras continuam fazendo eco em nossos ouvidos à procura de algum sentido que escapou e que hoje, na ausência do discurso compartilhado, nos faz falta. As palavras do pai são matrizes significantes que nos fazem perambular pelos labirintos da vida. Mas o pai se vai e temos que continuar andando, entrando e saindo dos labirintos da existência, porque a vida não pára, nossa vida não pára, mas cessa a certeza de na incerteza poder sempre retornar a casa paterna. Símbolo de descanso para curar as feridas que o estar no mundo imprime em cada um de nós, e , depois de recuperados , seguir andando.
Hoje sinto falta, um vazio que sei nunca se preencherá habita meu interior, falta das palavras paternas, mesmo quando rudes, desconexas e contrárias a tudo que eu pensava. Elas eram música aos meus ouvidos porque representavam possibilidade de diálogo com ele. Como faltou ouvi-lo, mesmo na sutileza de sua dureza para com o mundo, para comigo, para com todos. A falta me fez compreender que ser duro também é estruturante. Sinto falta também da fortaleza da casa paterna e isto me fez tornar minha casa mais forte, lugar de descanso e de abrigo, mas sempre com marcas vivas da figura do pai, hoje bastante presente em minha vida , muito mais do que quando ele estava ao meu lado. Quando perguntam o que faltou dizer ao meu pai, digo que nada, porque só depois de sua ausência pude dimensionar o tamanho e a importância de sua presença. Não sabia que ele me faria tanta falta, e que sua falta doeria tanto. Mas com o tempo fui descobrindo que é possível dialogar com os rastros que ele deixou , e um dia quem sabe, ainda possa escrever a conversa que só poderá acontecer pela falta da companhia. 

segunda-feira, 28 de março de 2011

Mundo Paralelo!

Gostei da imagem que um primo construiu num texto ,algo assim como : "Criamos um mundo  imaginário, com várias fantasias para sobreviver ao mundo real." Temos aí  a ideia de imaginário e do real, como mundos que se unem, se complementam em determinado ponto do tempo e do espaço, para dar suporte à existência.
Usando as ideias de Lacan, diria mais, o sujeito se constitui  como tal no enlace de três tempos : Real, Imaginário e Simbólico. E , é só a partir daí que se tem acesso à metáfora, figura tão usada pelos escritores, seres que entendem da alma humana com excelência. A criança é dominada pelas projeções paternas e pelo peso do Real que se presentifica em seu corpo, não tem, portanto, acesso à metáfora. Para ela, a metáfora só se apresenta com o andamento da constituição psíquica.
Esta construção me capturou, porque me possibilita brincar e refletir sobre  o mundo imaginário, rico em fantasias que temos de inventar, criar, parir, para suportar a crueza do Real. O Real machuca, traumatiza e tira de cada um a capacidade de sonhar, fantasiar e devanear, sinal de saúde psíquica. No Real, não há espaço para o Devaneio. O Imaginário, quando saímos da condição de atravessar o fantasma, conduz ao Simbólico, e dá lugar às fantasias estruturantes. Enquanto o Real  se representa pela crueza , ausência de significado que cada um se depara ao longo de sua vida, o fantasmático aparece como possibilidade de enfrentar as durezas da vida hostil, e é plantado  pelos desejos paternos, no filho que chega. Há que ter sido desejada e idealizada uma criança, até  para que, no futuro, quando crescer possa se colocar contra esta idealização, derrubar o fantasma a que esta presa e constituir-se de valores e ideais simbólicos próprios.  Entre o cruzamento destes mundos , Real e Imaginário, brota o Simbólico, que nos coloca na condição de sujeito e nos tira do assujeitamento ao Outro. Aqui, o Real que é desprovido de sentido, nos apresenta a vida nua e crua ,assim justo como ela e, e nos coloca num lugar de esvaziamento simbólico, sem  possibilidade de transformação e de impressão de marcas subjetivas , que nos constituem enquanto sujeitos. Sem marcas nada somos além de máquinas. São os sonhos, os desejos conhecidos e desconhecidos, as formações inconscientes, as ressignificações que nos introduzem no Simbólico, tão recheado de narrativas reais para nós, mas muitas vezes, sem comprometimento algum com a realidade É pelo Simbólico que podemos criar mundos paralelos, que nos fazem suportar a dureza de estar no mundo real, com seus traumas e esvaziamento de sentido. Quanto a esta questão bem nos esclarece Freud, em seu texto, Escritores Criativos e seus Devaneios. 

domingo, 27 de março de 2011

Impressões de Outono

Mudam as estações e o estado de espírito das pessoas se transforma junto. Hoje, acordo com sensação de frio na pele. As folhas das árvores começam a amarelecer e se despencam. O vento vem, e assisto de minha janela, um ballet harmonioso, as personagens se vestem de ferrugem e dançam em sintonia com a natureza. No chão, um bordado nas calçadas feito pelas partes das árvores que caem. Imagens de outono. No interior de casa, um cálice tinto de vinho faz companhia a leitura do momento: Por que a Psicanálise? de Elisabeth Roudinesco. O ruído do vento complementa o som de um blues que sai lá do fundo da sala e se mistura formando outra música, esta própria da  estação. O Outono que chega, traz o aconchego da intimidade  das casas em oposição ao verão que se vai, e leva o gosto pela convivência fora dos limites dos interiores. A atitude de se expor  para o outro, abre espaço para um estado mais reflexivo diante de si mesmo. Com a mudança do verão para o outono , a exterioridade dos afetos é  substituída pelo olhar-se para dentro. Para mim, o outono introduz a possibilidade de um contato mais íntimo comigo mesma.   

domingo, 13 de março de 2011

As Entranhas da Terra se Rebelam

Falar de nosso tempo, tem a ver com olhar para ausência de limites em que somos constantemente convidados a nos filiar para estarmos em evidência. Aparecer e ser bem sucedido é a ordem do momento. Ser visto, parece adequado ao modelo vigente. Para que isso aconteça desrespeitamos os limites de nós mesmos, do Outro que nos acompanha, das instituições a que pertencemos, da vida vivida de forma natural, da natureza que nos rodeia, e do Planeta que nos envolve.
Entendo que limites existem para serem diluídos e transformados em litorais... espaços marcados pelas marés: alta e baixa. Espaços variáveis, que podem bailar num determinado local.  Litorais são diversos de fronteiras. Fronteiras são limites invariantes, litorais são limites que se modificam dentro de uma determina faixa de terra. Até as marés, que demarcam os litorais têm limites mais ou menos estabelecidos e tem poder de marcar limites meio indefinidos,mas não ausentes.
Quando os limites são rompidos, e até as marcas dos litorais se diluem, mergulhamos no caos.
Parece que a época é de romper limites, ultrapassar fronteiras, romper barreiras... enfim expandir a capacidade de domínio. Em certas circunstâncias, extrapolar pode significar romper a ordem natural que mantém o planeta em equilíbrio.
Será que já não está na hora de além de lamentar, ser solidário, engrandecer a capacidade de organização do povo japonês neste último episódio de revolta das entranhas da Terra, parar para refletir. Refletir como a humanidade, em sua busca desenfreada por romper os limites, rompe-se a si mesma, destrói o que construiu, machuca-se imprimindo marcas permanentes, que passarão para a história da humanidade com estatuto de catástrofe.
Que os limites possam ser invocados, ao menos em forma de litoral...que não é estático, mas se move de acordo com as marés! Que possamos refletir sobre o acontecido e não apenas lamentar e  entristecermo-nos!
Por mais que o mundo mude, sua estrura geológica há de ser respeitada! Porque há coisas, poucas coisas do mundo, que são invariantes. O respeito à estrutura do Planeta é uma invariante que deveria prevalecer sobre o rompimento de limites de nosso tempo.

terça-feira, 8 de março de 2011

Mulher

Ser mulher é bom, estético, sublime e dolorido. Difícil é bancar tudo que esta condição impõe. Seduzir, cuidar e produzir  formas no corpo, amar, acolher, mesmo dentro de si própria, outra vida; escolher. Privilégios femininos. Os homens são escolhidos pelas mulheres. Geralmente, nós damos o sinal verde e eles avançam ou recuam. E as obrigações que a cultura nos impõe? Criar e educar filhos, antes tê-los. Ser amante dedicada e com ótima performance sexual, antes conquistar um parceiro. Estar sempre  bela para ser admirada. Ser gentil, educada , profissional competente e bem sucedida. Administrar a casa, marido e filhos com desenvoltura. Malhar para ter um corpo saudável e quase perfeito.
E a tensão pré-menstrual? E a empregada que falta justo no dia que as visitas chegarão? E o filho que tira notas baixas na escola e necessita ajuda? E o marido que tem crise de insegurança porque acha que já não encontra seu lugar e papeis definidos ao lado deste ser poderoso? E o trabalho que exige uma viagem justo no dia da apresentação teatral do filho na escola? E  a carência sentida ao acordar, olhar no espelho e ver refletida uma imagem cansada, marcada por sinais da passagem do tempo e desgastada pelo peso da mulheridade?
Ser mulher encerra em cada uma de nós a leveza e o peso da condição feminina. Momentos de extremo prazer e outros de dor quase insuportável. Carregamos no interior a intensidade da existência, somos seres paradoxais, e por isso entendidas por alguns  como portadoras de esquisitices, ataques de choro e manifestações de sentimentos exacerbadas. Choramos assistindo uma comédia romântica!  Rimos de medo diante de um filme de terror! Talvez sejam estes comportamentos paradoxais que adicionam o toque de feminilidade que permite a cada uma de nós conviver com os opostos, e continuar sendo sublime, mesmo nas adversidades. Imagem que nos define:colar de pérolas displicientemente caído entre o teclado do notebook e de um amarelado livro de poemas de Florbela Espanca     

segunda-feira, 7 de março de 2011

Ser Psicanalista!


É difícil escrever sobre o tema, mas seguidamente sou questionada  sobre a escolha. Desde muito pequena,  antes de  falar de forma clara e compreensível,  já gostava de ouvir. Colocava a cadeira na porta de casa e convidava a vizinha, uma senhora de uns 40 anos, para conversar. Tudo  de forma quase incompreensível, que só ela entendia. Meu prazer era ouvi-la. Histórias de mundos que  desconhecia , mas que habitava através de suas palavras. Narrativas do cotidiano, pequenos contos infantis, ou só suas impressões sobre fatos do momento.
Saber e gostar de ouvir é uma das características que me levaram à Psicanálise.
Admirar a diversidade humana, e me eximir de julgamentos é uma conquista que  tento construir. Para mim não existe a dicotomia sagrado/profano, bem/mal,certo/errado.Tudo, ou quase tudo pode, porque estamos na vida para errar e acertar. A perfeição não me atrai, é sem graça.
O respeito pela forma do Outro se portar diante dos fatos, é  exercício diário, que aqueles que se dedicam a este fazer deveriam exercitar.
Curiosidade pela maneira como o Outro dá conta de suas dificuldades e se integra na cultura, é algo que me fascina. Sempre há um jeito diverso de pensar sobre a mesma questão. É tudo  exercício de poder girar sobre si mesmo e se colocar em outra posição em relação ao fato. Sou curiosa, gosto de contemplar o novo, mas confesso que é difícil o desapego daquilo que já é conhecido. Aí temos de cuidar , pois quando nos apegamos ao que já nos é familiar, fica mais fácil entrar na onda dos preconceitos, tão danosos ao exercício da Psicanálise. Poucas coisas digo com certeza, uma delas é que um Psicanalista não deveria ser preconceituoso.
Mas, dentre todas as características que  citei, talvez a mais determinante seja a própria condição de sofrimento e dor frente a questões minhas internas, difíceis de conciliar e de enfrentar no dia a dia. Posso dizer que provei e provo o remédio que indico: a condição de olhar, aceitar , me responsabilizar, lidar e  tentar me reconciliar  com o lado escuro, com minhas imperfeições e  meus sentimentos menos nobres. Mesmo sabendo que a maldade  está presente em todos nós, tenho gosto por acolher com afeto o sofrimento humano, inclusive o meu.

domingo, 6 de março de 2011

A partida

Será que se parte por inteiro? Parece que queremos partir e deixar tudo para trás. Ficar longe do que pode estar impedindo nossos avanços. Há esperança na partida. Esperança de voltar modificado e ter desejo de se realizar coisas que ficaram por serem feitas. Uma partida é sempre um ato de renovação. Caminhar em direção à novidade. Mas, também, é um ato de deixar a comodidade e a previsibilidade do  cotidiano. Isso  dá insegurança  e adrenalina para viver o novo. Partimos e deixamos nossa vida em suspenso. Deixamos nossos amores e nossos afetos. Nosso ninho fica vazio e voamos rumo ao desconhecido. Aproveitar tudo aquilo que a novidade pode oferecer, mas ter a certeza de que um pedaço grande fica à espera da volta. Este naco de vida estará nos esperando no retorno e, talvez, seja ele que nos permite deixar aquilo que é familiar pelo inusitado. Fazer um movimento pendular entre ir e vir. Podemos partir, mas com certeza, ficamos presentes no coração daqueles que esperam a nossa volta. E quem parte também leva um pouco de quem fica na bagagem. Este pedaço que levamos aparece nas lembranças que se tem , nos sonhos de viagem, no desejo de determinada companhia em um lugar específico. Enfim , partir e sair , se distanciar e voltar, mas manter  raízes que nos sustentam, alimentadas pelo afeto que se encerra em nosso ser, mesmo à distância. A porção que parte volta modificada, e isso faz com que a volta seja aguardada por aqueles que ficam com ansiedade. Partir é bom , mas voltar nos envolve num abraço conhecido e afetuoso, que ampara e reconforta. Boa viagem a quem parte!

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Distanciamento

Parece que a vida consiste em distanciar-se dela. Nascer, viver, morrer. Desde o instante do nascimento,  nos distanciamos da vida em direção à morte. Mas não penso só na morte real, do corpo biológico. Falo de outras pequenas mortes , que acompanham nossa existência e que, muitas vezes, passam desapercebidas. Estas perdas fazem parte do amadurecimento e trazem um distanciamento. A cada vez que terminamos um relacionamento, deixamos uma produção  parada na gaveta, estamos vivendo uma espécie de morte, fizemos luto, sofremos, mas isso é necessário para seguir em frente e poder olhar aquilo que ficou de um outro ponto de visão. Isso é amadurecer. Qando nos distanciamos de algo ou alguém , o tempo continua correndo e o espaço permanece se modificando. Nada pára. O ritmo da vida é contínuo, implacável.Nem tempo nem espaço esperam que possamos acomodar nossos desafetos, amadurecer ideias e construções de nossos textos. Algumas vezes, temos ainda tempo de rever posições, trocar palavras, corrigir estruturas . Tudo isso pode não acontecer. Em algum momento, não poderemos mais voltar àquele texto, para aquele relacionamento, então o que fica é o que passou, a marca que se deixou. Mas, quando temos oportunidade de retomar o que ficou para trás, o que encontramos é diferente do que se deixou. Nós mudamos, o objeto se modifica, o tempo passa. Resta saber se o novo objeto encontrado por um sujeito modificado ainda faz sentido. Se o que ficou para trás, pelo distanciamento, não fizer mais sentido, a vida se encarregará de colocar outro objeto, promover novo encontro, apresentar alguém diverso, fazer brotar novas ideias  em nosso caminho  para que tudo se renove. Afinal, distanciamento tem a ver com a possibilidade de renovação, que tanto pode estar presente na vida quanto na morte. A morte faz parte do ciclo da vida. O distanciamento de objetos, ideias, pessoas é um exercício contínuo, que nos prepara ao que há de vir de novo, e  pode nos tornar mais livres, até de nós mesmos.   

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Fragilidade

Há tempos em que acordar e saber que se tem de iniciar mais um dia de luta para alcançar o sonho já dói. A luz do dia , que em outro momento seria saudada com alegria, machuca os olhos. Mas, se ao invés de luz  tivesse chuva, escuridão, também doeria. A alma é que dói. Noite mal dormida, pesadelos intensos, corpo dolorido, abandono . Marcas que a vida imprime pelo cotidiano. Olhos vermelhos e inchados, corpo sem resistência, moleza nos movimentos, sensação de desamparo, vontade de desistir. Mas, ai surge lá ao longe, a imagem do sonho a perseguir o corpo machucado. Ela faz cócegas no desejo. Força atiçada pela vontade de conquistar. A caminhada reinicia, ainda resta força para continuar.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Falso Brilhante!

 Aquele brilhante era falso. Mas e daí?Era uma zircônia perfeita. Não era brilhante, tinha aparência de brilhante.
 Quando tentávamos , tínhamos sempre a mesma dúvida: conseguiríamos,  pela alquimia do apaixonamento,  fazer de uma zircônia um brilhante?
 Algumas vezes, a transmutação se fazia , outras não. Nosso desejo nem sempre nos dava a condição de alquimistas de sentimento. Havia momentos que as emoções dos sonhos não migravam para a  realidade. Instantes de incerteza, onde o que saltava  dos corações era  morte da esperança, mesmice do dia a dia. Olhos opacos pela falta de paixão. Restava deixar o tempo passar e esperar a vinda de  outra pedra preciosa.       
 Naquele momento, estávamos frente a frente, mirando um os olhos do outro e tentando decifrar desejos que podiam estar escondidos de nós mesmos, ou até a falta deles. Costumavam esconderem-se nos labirintos da rotina. Meus olhos procuravam alguma coisa  nos teus. Percebi um olhar machucado e um rosto desfigurado, mas a pupila brilhava como brilha uma zircônia. Zircônia não é  brilhante, mas  tem sua beleza,  encantamento e brilho singular.
 Pensei que, depois de tanto tempo, mais vale  o explendor de uma zircônia perfeita do que as faíscas de um brilhante falso. Quero a zircônia verdadeira!

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Aneis

                                                   ANEIS

      "O anel que tu me deste era vidro e se quebrou, o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou". Cantiga de roda infantil que habita a memória quando lembro do furto das jóias. As lembranças de infância traem, sem  termos a real proporção das coisas na adultez.
       Aneis de vidro na infância guardam a marca do comprometimento amoroso onde o afeto predominava.
        Lembro dos aneis de vidro barato que vinham com balas e que os meninos davam a sua preferida.
       Você me deu um desses na infância , "anel de bala", e hoje ainda guardo a imagem dele na memória. Ali, com o anel de vidro tudo começou. Outros aneis vieram , alguns se  perderam, outros foram roubados, mas a cada perda ou roubo se abria no porta jóias o espaço para a entrada de um outro anel.
       Na nossa história , anel significa compromisso afetivo. Na  cantiga o anel era de vidro e se quebrou, o amor era pouco e se acabou.
       Tudo que acaba abre espaço para um novo recomeço. Pode-se recomeçar mudando o objeto de  amor, ou simplesmente girando o olhar e conhecendo uma nova face do objeto amado. O inusitado, o novo , tudo isso desperta paixão. Amar de novo o velho, que se renova pela flexibilidade do olhar e da escuta de um amor antigo  traz um novo anel, outro símbolo, mais uma vez a paixão explode.
   Numa noite qualquer, o ladrão entrou e levou os aneis que me deste.O amor que me tinhas não era pouco e não se acabou, se renovou. Mais uma renovação, outro recomeço, novos planos, tudo de outra forma.  Foram-se os aneis, mas cada um deles ficou registrado na memória afetiva, e o sentimento que eles simbolizavam,  até pela perda, se renovou mais uma vez. A materialidade dos aneis cede lugar à representação do afeto apenas pelas marcas no coração. Tenho seu nome tatuado a fogo na alma!

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A vida e o sonho

Será o sonho um episódio da insônia? Sonhar pode acontecer num estágio entre estar dormindo e acordado que nos faz duvidar daquilo que pelos sentidos experenciamos.
A insônia , como recusa a dormir, em alguns momentos leva a exaustão, e expõe tatuagens invisíveis que carregamos escondidas de nós mesmos, em gavetas trancafidasdas com  chaves do inconsciente. Elas, então se abrem quando sonhamos. Ai inauguramos outras possibilidades de  criação, novas soluções para questões cristalizadas em nosso cotidiano. Os horizontes se ampliam, e o pensamento neurótico pode se descentrar de seus conflitos e sintomas originais. O sonho, como acontecimento que se instala pelo sono após a insônia, pode nos levar a possibilidades de encontrar outras trilhas a serem percorridas.

Promessas!

Será que prometemos para o Outro ou para nós mesmos? O que está implicado no ato de prometer?
Um dia ele prometeu amor eterno, mas depois percebeu que eterno é nada. A vida é volátil. O amor quando se apresenta a quem ama como eterno, ainda está vestido de paixão. Mas paixão é efêmera. Impraticável permanecer em estado apaixonado por tempo extenso. Todos os sentidos se dirigem ao apaixonamento.
O apaixonado se apaga no encanto que disperta seu objeto de desejo.
E quando um ser se apaga para dar luz ao outro se desfazem as promessas, se anula o desejo próprio, e o que passa a valer é satisfazer o desejo do outro. Nesta fatia de tempo o apaixonado abandona a condição de sujeito e passa a ser  objeto, mais um daqueles que podem satisfazer o alvo de sua paixão. Há uma objetalização da existência na paixão.
Para prometer temos de estar apaixonados, ou em estado muito próximo da paixão, nem que seja por nós mesmos, pelos nossos corpos, pela nossa saúde, pelos nossos amores, pela alma, por valores e ideais... enfim por aquilo que fisga o desejo e movimenta nossa libido. Talvez por isso as promessas de fim de ano sejam tão breves quanto a luminosidade e o colorido dos fogos de artifício no céu da virada do ano. 

sábado, 15 de janeiro de 2011

A QUÍMICA

 Entre  meu corpo e o seu existe uma atração, algo que chama, um perfume que cola, uma química que explode em sensações de volúpia. Mas é  só isso?  E isso é  só ? Claro que não.... é muito, mas não sustenta uma relação, desperta desejos.. incendeia os sentidos, mas não expressa convivência. Palavra interessante esta: CONVIVER . Viver acompanhada, viver com e para o outro.  Bem, mas isso não diz de química, diz de opção de convivência.
A química combina os elementos na medida exata, e a partir de dois, que são únicos e não  podem se repetir , faz nascer um terceiro, novo, que não pode ser reproduzido, e que só tem existência em determinadas circunstâncias físicas.... Isso talvez possamos chamar de paixão...ou tesão quem sabe? Talvez tudo se explique pela lei da física que pauta a atração dos corpos.
Mas o que eu gostaria mesmo é de unir, num só instante do universo, como que numa fatia capturado do tempo que se esvai, a QUÍMICA da paixão, em determinadas circunstâncias da FÍSICA ,na possibilidade de CONVIVER em parceria.    

Relacionamentos

 RE-lacionar, seria fazer novamente laços? Como andam os laços que vinculam as pessoas em tempos de evitação da dor?
 Entrar numa relação de parceria ou cumplicidade, implica se implicar com o outro , com suas questões, suas individualidades e aceitar ou rejeitar as concessões que ele fizer de invasão de seu corpo e alma.
 Nossos tempos são feitos de demonstrações de felicidade, de sucesso e de bem-estar constante.
 Tempos de mascarados que se  exibem exitosos . Há que entrar em cena a cada novo despertar e interpretar o papel de sujeito perfeito e realizado na vida.
 Essas são algumas das exigências que ecoam dos códigos sociais de nossa época.
 Sendo assim, será que vale a pena entrar numa relação, amar e se deixar amar por alguém?
 O amor, ao mesmo tempo que traz promessas de momentos de prazer e plenitude , também traz a possibilidade da dor pelo luto da perda. Amar significa acompanhar-se e abandonar-se a ausência do amor que um dia parte. E parte porque não é viável ficar para sempre.
Não existe espaço para o "para sempre" em nossos dias. O tempo escorrega, as relações escorrem , os desejos são líquidos e se vão assim como chegam.
A transitoriedade que nos acompanha desde o nascimento e desemboca na morte , parece estampada nos modelos de relação que se estabelecem na atualidade. Tudo tem de ser superficial, porque na superfície e mais difícil deixar marcas, e quando elas ficam é mais fácil apagá-las.
Marcas causam dor, abandono, solidão, sofrimento, desamparo. Mas estes sentimentos não combinam com o espetáculo que temos que protagonizar no dia-a-dia.
Então como ficam os RE-lacionamentos, os enlaces em nosso tempo?
Muitas vezes, não houveram  possibilidade desses laços se estabelecerem na infância, então como RElançá-los na adultez?
Desde estas considerações talvez se possa pensar  no porquê os relacionamentos duram tão pouco, se mantém na superficialidade ou até inexistem na concretude da realidade. Relacionar-se na virtualidade pode ser mais fácil. Não há  invasão de corpo e alma que o real nos impõe.
 Mas que não nos esqueçamos da dor. Ela deve ser evitada pelos valores sociais vigentes.
 Só que dela, da dor ,não se pode escapar. Amar, relacionar-se, dói porque ai já está implicada a perda, o luto pelo amor que assim como chega se vai.
Não amar, fugir, evitar ir fundo e se envolver nas relações, também dói, porque traz consigo a solidão que pode ser até acompanhada pela presença do outro.
Parece que qualquer que seja a escolha, ela se acompanha pela dor.
Dor pela incompletude, dor pela falta, dor pelo buraco vazio de sentimentos, dor pela brevidade da existência, e a dor maior,  que é a dor de poder olhar sua própria dor e com ela se relacionar.
 Parece que antes de qualquer outro relacionamento, temos que ficar íntimos com a relação que estabelecemos com nossa própria dor, inerente à condição humana do sujeito que vive na sociedade , em relação com o Outro que nos acompanha sempre e está dentro de cada de nós.
Só assim poderemos combinar relacionamento com capacidade de suportar a dor. Esse talvez seja um estágio de auto conhecimento que poucos atingem, porque para chegar até ele dói.
Já que a dor é inevitável, resta escolher a forma que cada um vai encontrar para conviver com ela. Crescendo?Relacionando na superficialidade?Ausentando-se na relação?  Olhando para a dor interna que a existência desperta? Bem, todas essas formas de enfrentamento da dor trazem desamparo, solidão, vazio e sofrimento.
 Será que se tem espaço para a RElaçãoe na atualidade? Será que podemos  RElançar e projetar relacionamentos neste tempo em  em que vivemos? A resposta talvez esteja na fluidez do tempo.