terça-feira, 31 de maio de 2011

Uma Análise

O consultório de um analista se apresenta como uma fatia do mundo que nos cerca. Ali temos histórias que se tecem , outras se desfazem, esperanças  nascem , outras que se enterram. A vida se  desenrola ao longo das franjas da manta do divã. Vários enigmas surgem, eles são matéria prima da tecitura psíquica de cada um que por ali passa. Labirintos se apresentam, alguns são trilhados outros são abandonados, mas todos em algum momento, surgem como possibilidade de trilha a ser percorrida. Os analisandos são como personagens de livros. Alguns chegam como coadjuvantes, entre eles encontram-se personagens principais e até diretores de cena. Eles não sabem, na maioria das vezes, a força que trazem dentro de seus corações para dirigirem suas vidas. Mas e o analista? Ele acolhe a demanda, mas não a satisfaz, acompanha na caminhada , mas não caminha pelo analisando. E se tudo for bem , e alguns fantasmas forem transformados em fantoches de menino que brinca de teatro, ele, o analista tem como destino o esquecimento. O que sobram são restos, migalhas que não percorreram o caminho da demanda ao desejo e continuam com o analista. Parece que um bom destino desses restos seria um estudo de caso compartilhado com colegas. Momento do analista metabolizar o que não se explicitou pela análise, ou quem sabe nunca se explicitará, porque sempre sobra algo que não cai, fica em suspenso.  

sábado, 28 de maio de 2011

Um Par de Olhos Azuis

Esta noite sonhei com olhos azul de bolita me fitando de maneira intensa. Relembro uma das primeiras vezes que me senti mulher. Foi no cinema. Uma mão tocou na minha mão. Sensações desconhecidas surgiram. Meu corpo sentiu chamas que ardiam e traziam em seu rastro prazer. Algo novo se inaugurava. A fase da mulheridade tinha iníciado. Ao meu lado, um par de olhos azuis procuravam os meus. No encontro, a certeza de que fui capturada pelo olhar. Mas e eu? Com certeza, provoquei este olhar numa interrogação. Abandonei a condição de menina e ingressei no universo sedutor da feminilidade.

domingo, 22 de maio de 2011

Desejo

O desejo, às vezes, se apresenta em ondas que tomam o corpo e pedem uma atitude para que a libido possa chegar ao seu destino. O desejo independe da racionalidade. Ele arromba as portas das certezas instituídas e desinstala a comodidade . As dúvidas brotam, e o lugar de conforto imposto pela previsibilidade desaparece. A surpresa  assalta  a razão e traz a possibilidade de trilhar novos labirintos, rotas diferentes. Muitas vezes acompanhados pelo mesmo companheiro, mas agora em outros caminhos, com passos em outro estilo, outras escolhas, de posse de novos mapas que indicam a direção do  desejo novo.Tudo no exato momento em que a caminhada se impõe rumo ao inusitado,  que arde e  consome, mas dá prazer. Antes se esvair ardendo do que morrer gélido, desacompanhado na solidão da falta de companhia.   

Mães

Complicado falar dessa condição mítica, a de mãe, sendo mulher e não tendo filhos. Mas mesmo assim  vou  me colocar numa situação de tentativa. Esclareço que falo a partir de observações no laço social e da escuta de algumas mulheres, que narram a busca da maternidade como  condição de sentirem-se completas. Muitas delas se dizem mais incompletas com seus filhos. Algumas relatam que se pudessem voltar atrás, optariam por não ter filhos. As experiências sublimes que buscavam, na maternidade,em determinados casos desaparecem com a chegada do bebê.
Percebo na sociedade, uma exaltação da condição de mãe que nem sempre corresponde à realidade que observo ao olhar as relações entre mãe e filho a minha volta.  A maternidade é vista como condição inerente à mulher,  nem sempre é assim. Parece que para ser mulher em plenitude tem que se passar pela experiência de ter filhos. Na sociedade  em que estamos inseridos, liga-se maternidade à condição do sublime. A realidade da contemporaneidade feminina é mais dura do que a idealização social Em várias situações esta condição não se comprova . Muito se pode observar  sobre a  falta de paciência, agressividade e indisponibilidade  para maternidade de algumas mães. O que se percebe são alguns, e não poucos, comportamentos explícitos de descaso,  despreparo e  indisponibilidade que  chocam. Em nossos tempos, é difícil abrir mão de comportamentos já inseridos na rotina das mães, de bens,de formas de  levar  a vida,  pelo exercício da maternidade. Algumas mães terceirizam as tarefas junto a seus filhos. Tudo isso acontece sob o nosso olhar, mas é difícil dessacralizar a maternidade e falar livremente sobre esta questão , e  desvinculá-la da feminilidade. Ser mulher, ser mãe, seduzir o Outro que nos captura,  assumir a sexualidade e o poder de encantar de mulher são coisas distintas, que devem ser olhadas separadamente, para que não se rotule aquelas que por imposição de seu desejo, fazem escolhas diversas da maioria que se liga a pretensos padrões esperados pelo meio social. Que as escolhas das mulheres sejam feitas pela via do desejo ,e não pela impostura social. Talvez desta forma, possamos devolver o caráter sublime da maternidade, se é que em algum tempo ele existiu como valor dominante.