segunda-feira, 28 de março de 2011

Mundo Paralelo!

Gostei da imagem que um primo construiu num texto ,algo assim como : "Criamos um mundo  imaginário, com várias fantasias para sobreviver ao mundo real." Temos aí  a ideia de imaginário e do real, como mundos que se unem, se complementam em determinado ponto do tempo e do espaço, para dar suporte à existência.
Usando as ideias de Lacan, diria mais, o sujeito se constitui  como tal no enlace de três tempos : Real, Imaginário e Simbólico. E , é só a partir daí que se tem acesso à metáfora, figura tão usada pelos escritores, seres que entendem da alma humana com excelência. A criança é dominada pelas projeções paternas e pelo peso do Real que se presentifica em seu corpo, não tem, portanto, acesso à metáfora. Para ela, a metáfora só se apresenta com o andamento da constituição psíquica.
Esta construção me capturou, porque me possibilita brincar e refletir sobre  o mundo imaginário, rico em fantasias que temos de inventar, criar, parir, para suportar a crueza do Real. O Real machuca, traumatiza e tira de cada um a capacidade de sonhar, fantasiar e devanear, sinal de saúde psíquica. No Real, não há espaço para o Devaneio. O Imaginário, quando saímos da condição de atravessar o fantasma, conduz ao Simbólico, e dá lugar às fantasias estruturantes. Enquanto o Real  se representa pela crueza , ausência de significado que cada um se depara ao longo de sua vida, o fantasmático aparece como possibilidade de enfrentar as durezas da vida hostil, e é plantado  pelos desejos paternos, no filho que chega. Há que ter sido desejada e idealizada uma criança, até  para que, no futuro, quando crescer possa se colocar contra esta idealização, derrubar o fantasma a que esta presa e constituir-se de valores e ideais simbólicos próprios.  Entre o cruzamento destes mundos , Real e Imaginário, brota o Simbólico, que nos coloca na condição de sujeito e nos tira do assujeitamento ao Outro. Aqui, o Real que é desprovido de sentido, nos apresenta a vida nua e crua ,assim justo como ela e, e nos coloca num lugar de esvaziamento simbólico, sem  possibilidade de transformação e de impressão de marcas subjetivas , que nos constituem enquanto sujeitos. Sem marcas nada somos além de máquinas. São os sonhos, os desejos conhecidos e desconhecidos, as formações inconscientes, as ressignificações que nos introduzem no Simbólico, tão recheado de narrativas reais para nós, mas muitas vezes, sem comprometimento algum com a realidade É pelo Simbólico que podemos criar mundos paralelos, que nos fazem suportar a dureza de estar no mundo real, com seus traumas e esvaziamento de sentido. Quanto a esta questão bem nos esclarece Freud, em seu texto, Escritores Criativos e seus Devaneios. 

domingo, 27 de março de 2011

Impressões de Outono

Mudam as estações e o estado de espírito das pessoas se transforma junto. Hoje, acordo com sensação de frio na pele. As folhas das árvores começam a amarelecer e se despencam. O vento vem, e assisto de minha janela, um ballet harmonioso, as personagens se vestem de ferrugem e dançam em sintonia com a natureza. No chão, um bordado nas calçadas feito pelas partes das árvores que caem. Imagens de outono. No interior de casa, um cálice tinto de vinho faz companhia a leitura do momento: Por que a Psicanálise? de Elisabeth Roudinesco. O ruído do vento complementa o som de um blues que sai lá do fundo da sala e se mistura formando outra música, esta própria da  estação. O Outono que chega, traz o aconchego da intimidade  das casas em oposição ao verão que se vai, e leva o gosto pela convivência fora dos limites dos interiores. A atitude de se expor  para o outro, abre espaço para um estado mais reflexivo diante de si mesmo. Com a mudança do verão para o outono , a exterioridade dos afetos é  substituída pelo olhar-se para dentro. Para mim, o outono introduz a possibilidade de um contato mais íntimo comigo mesma.   

domingo, 13 de março de 2011

As Entranhas da Terra se Rebelam

Falar de nosso tempo, tem a ver com olhar para ausência de limites em que somos constantemente convidados a nos filiar para estarmos em evidência. Aparecer e ser bem sucedido é a ordem do momento. Ser visto, parece adequado ao modelo vigente. Para que isso aconteça desrespeitamos os limites de nós mesmos, do Outro que nos acompanha, das instituições a que pertencemos, da vida vivida de forma natural, da natureza que nos rodeia, e do Planeta que nos envolve.
Entendo que limites existem para serem diluídos e transformados em litorais... espaços marcados pelas marés: alta e baixa. Espaços variáveis, que podem bailar num determinado local.  Litorais são diversos de fronteiras. Fronteiras são limites invariantes, litorais são limites que se modificam dentro de uma determina faixa de terra. Até as marés, que demarcam os litorais têm limites mais ou menos estabelecidos e tem poder de marcar limites meio indefinidos,mas não ausentes.
Quando os limites são rompidos, e até as marcas dos litorais se diluem, mergulhamos no caos.
Parece que a época é de romper limites, ultrapassar fronteiras, romper barreiras... enfim expandir a capacidade de domínio. Em certas circunstâncias, extrapolar pode significar romper a ordem natural que mantém o planeta em equilíbrio.
Será que já não está na hora de além de lamentar, ser solidário, engrandecer a capacidade de organização do povo japonês neste último episódio de revolta das entranhas da Terra, parar para refletir. Refletir como a humanidade, em sua busca desenfreada por romper os limites, rompe-se a si mesma, destrói o que construiu, machuca-se imprimindo marcas permanentes, que passarão para a história da humanidade com estatuto de catástrofe.
Que os limites possam ser invocados, ao menos em forma de litoral...que não é estático, mas se move de acordo com as marés! Que possamos refletir sobre o acontecido e não apenas lamentar e  entristecermo-nos!
Por mais que o mundo mude, sua estrura geológica há de ser respeitada! Porque há coisas, poucas coisas do mundo, que são invariantes. O respeito à estrutura do Planeta é uma invariante que deveria prevalecer sobre o rompimento de limites de nosso tempo.

terça-feira, 8 de março de 2011

Mulher

Ser mulher é bom, estético, sublime e dolorido. Difícil é bancar tudo que esta condição impõe. Seduzir, cuidar e produzir  formas no corpo, amar, acolher, mesmo dentro de si própria, outra vida; escolher. Privilégios femininos. Os homens são escolhidos pelas mulheres. Geralmente, nós damos o sinal verde e eles avançam ou recuam. E as obrigações que a cultura nos impõe? Criar e educar filhos, antes tê-los. Ser amante dedicada e com ótima performance sexual, antes conquistar um parceiro. Estar sempre  bela para ser admirada. Ser gentil, educada , profissional competente e bem sucedida. Administrar a casa, marido e filhos com desenvoltura. Malhar para ter um corpo saudável e quase perfeito.
E a tensão pré-menstrual? E a empregada que falta justo no dia que as visitas chegarão? E o filho que tira notas baixas na escola e necessita ajuda? E o marido que tem crise de insegurança porque acha que já não encontra seu lugar e papeis definidos ao lado deste ser poderoso? E o trabalho que exige uma viagem justo no dia da apresentação teatral do filho na escola? E  a carência sentida ao acordar, olhar no espelho e ver refletida uma imagem cansada, marcada por sinais da passagem do tempo e desgastada pelo peso da mulheridade?
Ser mulher encerra em cada uma de nós a leveza e o peso da condição feminina. Momentos de extremo prazer e outros de dor quase insuportável. Carregamos no interior a intensidade da existência, somos seres paradoxais, e por isso entendidas por alguns  como portadoras de esquisitices, ataques de choro e manifestações de sentimentos exacerbadas. Choramos assistindo uma comédia romântica!  Rimos de medo diante de um filme de terror! Talvez sejam estes comportamentos paradoxais que adicionam o toque de feminilidade que permite a cada uma de nós conviver com os opostos, e continuar sendo sublime, mesmo nas adversidades. Imagem que nos define:colar de pérolas displicientemente caído entre o teclado do notebook e de um amarelado livro de poemas de Florbela Espanca     

segunda-feira, 7 de março de 2011

Ser Psicanalista!


É difícil escrever sobre o tema, mas seguidamente sou questionada  sobre a escolha. Desde muito pequena,  antes de  falar de forma clara e compreensível,  já gostava de ouvir. Colocava a cadeira na porta de casa e convidava a vizinha, uma senhora de uns 40 anos, para conversar. Tudo  de forma quase incompreensível, que só ela entendia. Meu prazer era ouvi-la. Histórias de mundos que  desconhecia , mas que habitava através de suas palavras. Narrativas do cotidiano, pequenos contos infantis, ou só suas impressões sobre fatos do momento.
Saber e gostar de ouvir é uma das características que me levaram à Psicanálise.
Admirar a diversidade humana, e me eximir de julgamentos é uma conquista que  tento construir. Para mim não existe a dicotomia sagrado/profano, bem/mal,certo/errado.Tudo, ou quase tudo pode, porque estamos na vida para errar e acertar. A perfeição não me atrai, é sem graça.
O respeito pela forma do Outro se portar diante dos fatos, é  exercício diário, que aqueles que se dedicam a este fazer deveriam exercitar.
Curiosidade pela maneira como o Outro dá conta de suas dificuldades e se integra na cultura, é algo que me fascina. Sempre há um jeito diverso de pensar sobre a mesma questão. É tudo  exercício de poder girar sobre si mesmo e se colocar em outra posição em relação ao fato. Sou curiosa, gosto de contemplar o novo, mas confesso que é difícil o desapego daquilo que já é conhecido. Aí temos de cuidar , pois quando nos apegamos ao que já nos é familiar, fica mais fácil entrar na onda dos preconceitos, tão danosos ao exercício da Psicanálise. Poucas coisas digo com certeza, uma delas é que um Psicanalista não deveria ser preconceituoso.
Mas, dentre todas as características que  citei, talvez a mais determinante seja a própria condição de sofrimento e dor frente a questões minhas internas, difíceis de conciliar e de enfrentar no dia a dia. Posso dizer que provei e provo o remédio que indico: a condição de olhar, aceitar , me responsabilizar, lidar e  tentar me reconciliar  com o lado escuro, com minhas imperfeições e  meus sentimentos menos nobres. Mesmo sabendo que a maldade  está presente em todos nós, tenho gosto por acolher com afeto o sofrimento humano, inclusive o meu.

domingo, 6 de março de 2011

A partida

Será que se parte por inteiro? Parece que queremos partir e deixar tudo para trás. Ficar longe do que pode estar impedindo nossos avanços. Há esperança na partida. Esperança de voltar modificado e ter desejo de se realizar coisas que ficaram por serem feitas. Uma partida é sempre um ato de renovação. Caminhar em direção à novidade. Mas, também, é um ato de deixar a comodidade e a previsibilidade do  cotidiano. Isso  dá insegurança  e adrenalina para viver o novo. Partimos e deixamos nossa vida em suspenso. Deixamos nossos amores e nossos afetos. Nosso ninho fica vazio e voamos rumo ao desconhecido. Aproveitar tudo aquilo que a novidade pode oferecer, mas ter a certeza de que um pedaço grande fica à espera da volta. Este naco de vida estará nos esperando no retorno e, talvez, seja ele que nos permite deixar aquilo que é familiar pelo inusitado. Fazer um movimento pendular entre ir e vir. Podemos partir, mas com certeza, ficamos presentes no coração daqueles que esperam a nossa volta. E quem parte também leva um pouco de quem fica na bagagem. Este pedaço que levamos aparece nas lembranças que se tem , nos sonhos de viagem, no desejo de determinada companhia em um lugar específico. Enfim , partir e sair , se distanciar e voltar, mas manter  raízes que nos sustentam, alimentadas pelo afeto que se encerra em nosso ser, mesmo à distância. A porção que parte volta modificada, e isso faz com que a volta seja aguardada por aqueles que ficam com ansiedade. Partir é bom , mas voltar nos envolve num abraço conhecido e afetuoso, que ampara e reconforta. Boa viagem a quem parte!